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O paradoxo do café em 2025: preços altos e a crise que ameaça o setor

  • Foto do escritor: Paulo Henrique Leme
    Paulo Henrique Leme
  • 27 de mar.
  • 7 min de leitura
Prof. Paulo Henrique Leme                            AgritechUFLA                                                            Agência Zetta/UFLA
Prof. Paulo Henrique Leme AgritechUFLA Agência Zetta/UFLA

É possível falar em crise com o café acima de R$ 2.500,00 a saca em março de 2025? Sim, mas para isto, se faz necessário aprofundarmos na análise mercadológica e no contexto econômico atual, bem como, olhar com cautela para o futuro, especialmente nos âmbitos da tecnologia e consumo.


Os contratos futuros de café arábica ultrapassaram US$ 4,30 por libra-peso pela primeira vez na história em fevereiro de 2025. O último recorde havia sido de US$ 3,39/lb em 1977, após uma geada severa no Brasil, algo ainda inigualável historicamente em termos de impacto e relevância. Porém, o momento atual da cafeicultura mundial já pode ser considerado como um marco relevante.


Os preços recordes em Nova York e os altos valores pagos no mercado físico refletem um cenário de escassez, dificuldades logísticas e falta de estoques tanto no setor privado quanto no setor público. Não foi por falta de aviso ou de preocupação do setor. Há tempos os cafeicultores vêm alertando para a falta de rentabilidade na produção e os impactos do clima. Preços de insumos nas alturas, escassez de mão-de-obra, secas corriqueiras no Brasil, seca no Vietnã, e mesmo as geadas que ocorrerão em 2021 em boa parte do tradicional cinturão cafeeiro no Brasil são fatores que explicam o atual cenário de escassez.


O primeiro ponto que devemos destacar é que o preço nas alturas não se reverte imediatamente em lucro ao produtor, afinal, não há café para ser vendido. Especialmente entre produtores pequenos e médios que vem de anos de custos elevados e margens apertadas. É um efeito em cascata, que afeta cooperativas, traders, indústria e compromete o futuro, ao causar um cenário de extrema incerteza.

Vamos aprofundar a análise no setor produtivo.

 

Competitividade no lado da produção: a cultura do café no Brasil em risco

 

O Brasil produz majoritariamente duas espécies de café: arábica (Coffea arabica) e robusta/conilon (Coffea canephora). O Arábica é cultivado em regiões de altitude mais elevada e apresenta maior complexidade sensorial, sendo predominante em Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Já o Robusta é mais produtivo, sendo cultivado principalmente no Espírito Santo, Rondônia e Bahia. O cenário de competitividade para as duas espécies é completamente diferente.


Nos últimos anos, a área plantada (produção + formação) das duas espécies apresentou a seguinte evolução, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab):

Tabela 1: Evolução da área total plantada com Arábica e Robusta no Brasil de 2022 a 2025.                                Fonte: CONAB, 2025
Tabela 1: Evolução da área total plantada com Arábica e Robusta no Brasil de 2022 a 2025. Fonte: CONAB, 2025

A área total cultivada com café no Brasil se mantém estável já há muitos anos, com poucas variações.  Para se ter uma comparação, há 10 anos atrás, a área em produção com café no Brasil era de 2.248.913,7 ha, segundo a CONAB.

Tendo estes dados como base e analisando os dados de produtividade e exportação, percebemos claramente que o aumento na produção nos últimos 15 anos foi devido ao aumento da produtividade. Este fator foi preponderante para manter a competitividade do Brasil frente o mercado global. A pergunta que fazemos agora é: como avançar na produtividade sem implementar ações estruturais em tecnologias digitais e ligadas ao aumento da expansão da área com irrigação?

Como avançar na competitividade se ainda temos bases de dados frágeis e pouco uso de geotecnologias que nos permitiriam identificar gargalos produtivos e potenciais áreas de expansão e renovação da cafeicultura? Sem contar na necessidade crescente de garantia de compliance socioambiental.


São preocupações relevantes. Em 2021, após as duas geadas em pouco menos de 15 dias que afetaram o cinturão cafeeiro em Minas Gerais, questionávamos se os produtores teriam incentivos para o replantio do café nestas áreas afetadas ou se iriam substituir o café por culturas anuais. A falta de dados de qualidade nos impede afirmar que a substituição ocorreu com certeza, mas podemos olhar para a expansão do mercado de grãos em Minas Gerais e fazer um paralelo.


Em um estudo elaborado pelo AgritechUFLA em 2024, destacamos o avanço da produção de grãos em um raio de 200 km do município de Lavras-MG, demonstrando a concorrência entre café e outras culturas. O estudo aponta que a área plantada com soja na região cresceu para 240 mil hectares, com uma produção estimada de 816 mil toneladas. A produção de milho também aumentou significativamente, atingindo 2,4 milhões de toneladas. Esse crescimento reforça a tendência de substituição do café e pastagens antes destinadas à produção leiteira ou de gado de corte por culturas mais rentáveis e com custos operacionais menores.


Este crescimento da área de grãos no cinturão cafeeiro é resultado direto da viabilização tecnológica da expansão da produtividade em grãos. Já se comenta da disponibilidade tecnológica de obter retorno financeiro na primeira safra de soja em áreas onde antes eram pasto degradado. Um avanço incrível.

Portanto, afirmar que os atuais preços irão aumentar a produção pode até ser verdade, mas a questão é com que velocidade isto vai acontecer. Não será tão rápido quanto antes. A competição entre culturas já pressiona as cooperativas cafeeiras para ampliarem sua expertise, infraestrutura e capacidade de gestão para grãos.


Como resultado, a infraestrutura logística não acompanhou esse crescimento, resultando em gargalos na armazenagem e no transporte, o que pode afetar ainda mais a competitividade da cafeicultura. Produtores de café estão enfrentando desafios na comercialização devido à priorização do escoamento dos grãos, criando um ambiente de competição por infraestrutura essencial.


As mudanças climáticas também representam uma ameaça estrutural crescente à produção de café no Brasil. A intensificação de eventos extremos como secas prolongadas, geadas severas e chuvas irregulares tem impactado diretamente a produtividade e a qualidade dos grãos, especialmente nas regiões produtoras de arábica.


Estima-se que, até 2050, o país possa perder uma parte significativa de suas áreas atualmente aptas ao cultivo, exigindo migração de altitude, novas cultivares e práticas de adaptação. A agricultura regenerativa e outras práticas representam uma quebra de paradigma que pode afetar a produtividade em um primeiro momento, novas pesquisas e novas tecnologias devem levar em conta esta necessidade.


Além disso, a pressão por sustentabilidade aumenta, com consumidores e mercados exigindo rastreabilidade, práticas regenerativas e conformidade com regulações ambientais internacionais, como a EUDR. Diante disso, a sustentabilidade deixa de ser apenas uma agenda reputacional e passa a ser um eixo central de viabilidade técnica, econômica e comercial da cafeicultura brasileira. A conta está ficando na mão dos produtores, mais uma vez.

 

Tendências do lado do consumo: novos desafios

 

Apesar das dificuldades na produção, o consumo global de café segue em expansão. Segundo a OIC (Organização Internacional do Café), o mundo consumiu cerca de 177 milhões de sacas em 2024, com uma taxa média de crescimento anual entre 1,5% e 2% na última década. Os fatores que sustentam esse crescimento incluem:

  • Expansão do consumo em mercados emergentes (como China, Coreia do Sul e países do Sudeste Asiático).

  • Mudanças no comportamento do consumidor, com maior valorização de qualidade, sustentabilidade e rastreabilidade.

  • Crescimento de nichos como cafés especiais, orgânicos e com certificações socioambientais.


Por um lado, se o consumo global de café segue em crescimento, impulsionado pela expansão de mercados emergentes e pela valorização de cafés especiais, sustentáveis e com identidade de origem. Por outro lado, o recente aumento nos preços internacionais e domésticos começa a provocar mudanças significativas no comportamento dos consumidores.


A tendência de popularização do consumo de cafés premium entre classes médias e urbanas começa a desacelerar, especialmente entre consumidores mais sensíveis ao preço. Em países como o Brasil, já se observa uma migração do consumo fora do lar — como em cafeterias — para o consumo doméstico, mais econômico. O impacto é visível. Ao mesmo tempo, há um aumento na busca por cafés em cápsula, torrado e moído em grandes redes, em detrimento da experiência gourmetizada e personalizada.


Mesmo assim, vale lembrar, que o café especial ainda é um produto barato no preço por xícara quando comparado com outras bebidas diferenciadas. Como bem destaca o Professor Flávio Borém, da UFLA, neste vídeo (https://www.instagram.com/p/DGikw0CRN3u/), um café especial a 35,90 o pacote de 250 gramas, rende um café de 100 ml por menos de R$ 1,00. Comparando com produtos concorrentes como refrigerantes e bebidas energéticas, há uma grande diferença.


De qualquer forma, se os preços altos vieram para ficar por um bom tempo, essas mudanças sinalizam uma possível reconfiguração do mercado consumidor. De um lado, há a consolidação de nichos exclusivos de cafés especiais, com maior exigência por origem, métodos diferenciados de produção, rastreabilidade e valor simbólico (consumo de experiência).


De outro, cresce o risco da proliferação de cafés adulterados ou de baixa qualidade no varejo, especialmente em tempos de pressão inflacionária, o que pode afetar a percepção geral de qualidade do café brasileiro no longo prazo. As marcas, as cooperativas e os produtores que conseguirem construir narrativas fortes de valor agregado, com estratégias de branding, educação do consumidor e transparência, estarão melhor posicionados para capturar valor nesse novo ciclo de consumo global mais seletivo e exigente.


Ao mesmo tempo, o crescimento do segmento de bebidas prontas para o consumo (RTD – ready-to-drink) está transformando a forma como o café é consumido, tornando-o mais espontâneo e conveniente. As vendas de bebidas RTD cresceram 25% na China e 12% nos Estados Unidos. Produtos como cold brew e cafés funcionais (enriquecidos com vitaminas ou ingredientes voltados à saúde) estão apontando novos rumos para o mercado. Impulsionada pelas gerações mais jovens, essa tendência também ganha espaço em países em desenvolvimento, onde o café deixa de ser um artigo de luxo e passa a representar um estilo de vida moderno e conectado às novas dinâmicas de consumo.

Tabela 2: Os Desafios e as Oportunidades para Cafeicultura Brasileira: um resumo.                                                   Fonte: Elaborado pelo autor
Tabela 2: Os Desafios e as Oportunidades para Cafeicultura Brasileira: um resumo. Fonte: Elaborado pelo autor

Considerações Finais: O Futuro da Cafeicultura Brasileira


A cafeicultura brasileira enfrenta desafios significativos, mas também tem amplas oportunidades para inovação e crescimento. O futuro do setor dependerá da capacidade dos produtores e da indústria de se adaptarem às novas realidades climáticas e mercadológicas.


Investir em tecnologia, sustentabilidade e inteligência de mercado será essencial para manter o Brasil na liderança da produção e exportação global de café. A era do café barato pode ter chegado ao fim, mas isso não significa o fim da competitividade da cafeicultura brasileira – significa a necessidade de uma nova abordagem para garantir um futuro próspero e sustentável.

 



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Os conteúdos dos textos publicados neste blog refletem exclusivamente a opinião dos autores e não representam, necessariamente, as opiniões do Centro de Estudos em Mercado e Tecnologias no Agronegócio da Universidade Federal de Lavras (AGRITECH UFLA), da Universidade Federal de Lavras (UFLA) ou das agências de fomento que financiam as pesquisas do AGRITECH UFLA.

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